Final Fantasy VII Remake. Créditos: Square Enix

Ação e Sistemas de Batalha em Jogos de RPG

Uma taxonomia da gradação de elementos de Ação em jogos de RPG

Vítor M. Costa
20 min readOct 28, 2020

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Você já se perguntou sobre a diferença entre sistemas de combate em RPG? Já teve dificuldade em diferenciar um jogo de ação comum ou um RPG tradicional de um jogo de RPG de ação (action-RPG)?

Não se preocupe, essa dificuldade não é só sua, e não pode ser superada de modo absoluto. Entretanto, podemos reconhecer diferenças sistemáticas entre modos de batalhas em RPG e compará-los entre si a fim de averiguar quão dinâmico é cada sistema em termos de elementos de ação. Hoje isso é o que faremos.

Quer evoluir seu conhecimento sobre esses problemas? Então prepare-se para calcular alguns lances de dados e se aventurar por uma nova jornada. Nosso turno começará na década de 1980, quando podemos encontrar os primeiros jogos de RPG com gráficos e também clássicos exemplares de jogos de Ação. Só então estudaremos como as batalhas em certos RPGs, antes extremamente dependentes da imaginação, foram ganhando vida e dinamismo nas décadas seguintes, e várias propostas foram surgindo para conciliar elementos de Ação com de RPG no subgênero híbrido que hoje conhecemos como action-RPG.

Vamos começar essa aventura?

- "It’s dangerous to go alone! Take this:"
1. Considerações Iniciais
2. Adicionando ação em RPGs2.1. RPGs com elementos de Ação
2.1.1. RPGs de Estilo Clássico JRPG
2.1.2. RPGs com Batalha de Tempo Ativo
2.1.3. RPGs com Batalha de Dimensão Ativa
2.2. Action-RPGs
2.2.1. Action-RPGs ruptíveis
2.2.2. Action-RPGs ininterruptos
3. Considerações Finais4. Referências* You got a content-map! You are now able to explore this text. *
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1. Considerações Iniciais

Apresentaremos, neste texto, definições e exemplos de diferentes sistemas de batalha em RPGs dispostos em uma das formas possíveis de gradação. Listaremos desde o sistema tradicional de RPG que remonta à década de 1980, sem nenhum elemento relevante de ação, até o altamente dinâmico sistema de hack ’n’ slash que tem entre seus precursores Gauntlet (1985) e, um de seus principais popularizadores, a série Diablo, iniciada em 1997.

Desse modo, mostraremos não só um pouco da variedade de sistemas de batalha em RPGs no mercado de jogos eletrônicos, mas também, pela disposição gradual dos diferentes sistemas de batalha, que o questionamento sobre a ação em um RPG dificilmente é respondida de forma absoluta; ou seja, com uma afirmação de que “tem ação” ou “não tem ação”, mas sim, em grande parte das vezes, é uma questão de gradação. Em outras palavras, demonstraremos porque faz mais sentido, em um RPG, questionar-se não sobre se ele tem ou não ação, mas quanta ação ele tem.

Se bem cumprida tal finalidade, acreditamos que, como efeito colateral, este texto também possa contribuir para que fãs de jogos de Ação achem entradas que lhes sejam mais naturais para o mundo dos RPGs. Além disso, jogadores que gostem tanto de ação quanto de RPG poderão encontrar títulos que, a seu gosto, melhor equilibrem os elementos de ambos os gêneros.

Comecemos por definir os gêneros de ação (action) e Role-Playing Game (RPG) no âmbito dos videogames.

Definição 1.1. (Action game) Um jogo eletrônico é do gênero Ação (um action game) quando enfatiza “desafios físicos”.

Observação. (Desafios físicos) Consideram-se “desafios físicos” em videogames desafios como os de coordenação motora e de tempo de reação. Desafios esses empregados de diferentes modos em subgêneros de ação como plataforma, luta, tiro (em primeira pessoa ou terceira pessoa) e muitos outros (trata-se de um gênero com uma grande variedade de subgêneros).

Veja, abaixo, dois exemplos ilustrados de jogos de ação bastante distintos que pretendem ser minimamente representativos da grande variedade de jogos desse gênero (tanto quando voltados para ações ofensivas quanto quando voltados para ações outras, como furtivas, defensivas etc.).

Figura 1. Pac-man. Créditos: Bandai Namco Entertainment
Figura 2. Resident Evil 4. Créditos: Capcom

Diferente do gênero Ação, o gênero RPG é mais difícil de ser definido nos videogames, posto que surgiu a partir não só de um elemento característico, mas de vários elementos característicos.

Esses elementos foram originalmente concebidos em conjunto para RPG de Mesa (Tabletop Role-Playing Game, TTRPG), e mais especificamente para o jogo de tabuleiro Dungeons & Dragons (D&D), sendo esse o principal TTRPG que inspirou os primeiros RPGs em videogames.

Desse modo, forneceremos apenas uma definição aproximada desse gênero. Ainda assim, ela requer um pouco mais de atenção (e paciência do leitor com as observações), dada sua complexidade.

Definição 1.2. (Role-Playing Video Game (RPG)) Um jogo eletrônico é do gênero RPG (um Role-Playing Video Game) quando enfatiza o “controle” e a “economia interna” de um personagem ou grupo de personagens (party) em “evolução incremental” e imerso em algum “mundo bem definido”.

Observação i. (Controle em RPGs) Entende-se por “controle de um personagem ou grupo de personagens” não só seu controle direto, ou seja, a movimentação em si do personagem (ou da party), e mas também seu controle indireto, ou seja, a determinação de suas ações para se engajar em diálogos, optar por consumir determinados itens em detrimento de outros etc.

Observação ii. (Economia interna em RPGs) Entende-se por “economia interna” da evolução de um personagem ou grupo de personagens o gerenciamento de atributos, habilidades e/ou outros elementos que definem as potencialidades do personagem ou da party no mundo do jogo.

Figura 3. Akalabeth: World of Doom, primeiro RPG eletrônico com gráficos. No canto inferior esquerdo, podem-se ver as ações tomadas pelo jogador nos últimos turnos (virar para a esquerda e andar para a frente duas vezes) e, no canto inferior direito, é possível ver alguns dados da economia interna do personagem na ocasião, como o dinheiro que ele possui (uma moeda de ouro) e 23 pontos de vida, além de seu estado nutricional (32.3). Créditos: Richard Garriott.

Observação iii. (Evolução incremental) Entende-se por uma “evolução incremental” de um personagem ou grupo de personagens um processo de transformação gradual e progressivo do personagem e/ou da party em que escolhas tomadas durante o percurso geram efeitos duradouros e acumulativos.

Esse tipo de processo (evolução incremental) ocorre, por exemplo, quando um personagem passa a causar mais dano nos inimigos à medida que o jogador escolhe aumentar seu atributo de força, ou quando um personagem passa a ter gradativamente uma má reputação entre outros personagens do mundo à medida que o jogador escolhe opções de diálogo e/ou de ações consideradas maliciosas por outros personagens com os quais interage.

Observação iv. (Mundo bem definido) Entende-se por “mundo bem definido” um mundo não só definido com precisão em termos de regras mecânicas e estatísticas para o controle e gerenciamento do personagem, mas também definido com relativa precisão em termos de enredo; como no desenvolvimento de propósitos para os objetivos do jogador no decorrer de sua trajetória evolutiva no mundo.

Nesse sentido, e a título de comparação, o mundo simples e descontextualizado de Pac-man (1980), por exemplo, da forma como originalmente foi apresentado, não parece um mundo bem definido para se desenvolver um RPG.

É fácil ver, pelas definições acima, que os gêneros RPG e ação são independentes. Ou seja, é possível desenvolver jogos de RPG sem nenhum desafio físico significativo com uma jogabilidade sem nenhuma movimentação interna em tempo real (Akalabeth e a série Ultima são exemplos).

Inversamente, pode-se desenvolver um jogo de ação sem qualquer ênfase no controle ou na economia interna da evolução incremental de um ou mais personagens ou mesmo, em alguns casos, sequer contendo um mundo bem definido adequado a um RPG (Pac-man é um exemplo). Tratando-se de gêneros independentes (RPG e ação) que, porém, podem ser combinados.

Vale salientar que, apesar dos exemplos de RPGs antigos acima, ainda atualmente são desenvolvidos RPGs tradicionais (sem nenhum elemento significativo de ação). Esse tipo de RPG é especialmente comum para computador; alguns dos quais com grande destaque crítico e/ou comercial, como os jogos das séries Baldur’s Gate e Divinity.

Figura 4. Divinity: Original Sin II. Créditos: Larian Studios

Contudo, a tendência é que esses gêneros (RPG e ação) misturem-se bastante (e não só em títulos atuais). Para ficarmos em um exemplo, claramente Resident Evil 4, acima citado como jogo de ação, possui vários elementos de RPG:

  • por certas escolhas no decorrer da trama do personagem;
  • pela administração na economia interna do personagem (como compra e organização de equipamentos e consumíveis no inventário);
  • pela evolução incremental (especialmente pelo aprimoramento progressivo das armas);
  • e por ter um mundo suficientemente bem definido.

Ocorre que, apesar de esses elementos em Resident Evil 4 terem um considerável destaque no jogo, quando comparado a outros títulos de ação de tiro em terceira pessoa (Third-Person Shooter, TPS), vê-se que seu foco está na jogabilidade de TPS. Assim, a ênfase está muito mais voltada à ação, e os elementos de RPG são-lhe apenas auxiliares.

Por outro lado, é possível o desenvolvimento de jogos que enfatizem fortemente, e de modo equilibrado, tanto elementos de ação quanto de RPG. Isso não é de se estranhar, pois também é possível combinar elementos igualmente relevantes de outras diferentes origens, formando gêneros e subgêneros híbridos como action-adventure (ação + aventura) e TRPG (RPG + estratégia tática).

Em relação à combinação de ação com RPG, dizemos que, quando há uma quantidade significativa de desafios físicos em um RPG, ele é considerado um action-RPG. Nesse sentido, os jogos da série Souls (Demon Souls, Dark Souls etc.) são exemplos de RPGs de ação, pois exigem do jogador não só que desenvolva habilidades de planejamento e gerenciamento de equipamentos, atributos etc., mas também habilidades precisas de coordenação e tempo de reação durante as batalhas.

A seguir, apresentaremos gradualmente implementações de elementos de ação em RPGs; desde os RPGs mais estáticos até os diferentes action-RPGs, terminando no mais dinâmico deles, o sistema de hack ’n’ slash em RPG.

2. Adicionando ação em RPGs

2.1. RPGs com elementos de Ação

Fortemente inspirado nos RPGs ocidentais, especialmente na tradicional série Ultima, em 1986 o primeiro Dragon Quest (ou Dragon Warrior) trouxe uma movimentação em tempo real para o personagem principal. O herói, enquanto andava pelo mapa do jogo ou pelas cidades em tempo real, via-se em dinâmica de turnos somente quando um combate se iniciava. Nessee caso, também mudava a perspectiva isométrica em terceira pessoa para uma visão em primeira pessoa.

Figura 5. Dragon Quest. Créditos: Square Enix
Figura 6. Dragon Quest. Créditos: Square Enix

Deste então, essa ruptura de dinâmica em tempo real para dinâmica de turno se tornou uma forte tendência nos RPGs até hoje, e também fonte de inspiração para novas implementações de elementos de ação em RPGs.

Por curiosidade, as origens da ruptura de perspectiva e dinamismo do mapa para o combate entre outras características dos primeiros JRPGs tem sido vinculadas a aspectos estéticos da arte japonesa (ver mais em HUBER, 2007, pp. 215–116).

Partindo do sistema popularizado pelo primeiro Dragon Quest, abaixo apresentaremos os principais estilos de RPGs com elementos de ação até chegarmos ao sistema ADB de Final Fantasy XII (2006). Esse jogo é um bom exemplo de título que se encontra no limiar entre RPG e action-RPG.

2.1.1. RPGs de Estilo Clássico JRPG

Definição 2.1. (Classic style JRPG system) Um RPG utiliza o estilo clássico de JRPG quando passa a ser possível se movimentar em tempo real no mapa do jogo, em contraste com a dinâmica de turno nos combates. Esse contraste é dado por uma alteração abrupta de cenário ou de perspectiva na ocasião em que um combate se inicia (aleatoriamente ou não) onde não é mais possível se movimentar em tempo real.

Tal estilo se popularizou com o primeiro Dragon Quest e foi replicado (com poucas modificações) não só em todos os sucessores da série Dragon Quest mas também na maioria das principais franquias de RPG japonês (JRPG), como Final Fantasy, Pokémon, Shin Megami Tensei e outras. Esse estilo ainda hoje é muito comum em JRPG, especialmente em Shin Megami Tensei e Pokémon.

Figura 7. Imagem de Persona 5 em um momento de combate por turno. Créditos: Atlus
Figura 8. Imagem de Persona 5 em um momento de livre movimentação (fora do combate). Créditos: Atlus

É claro que esse sistema clássico de JRPG possui variações, algumas das quais incluem elementos extras em tempo real. Nesse aspecto, destacamos a seguinte variação:

Definição 2.2. (Classic JRPG system (variation)) Um RPG de estilo clássico de JRPG utiliza uma variação de movimento em tempo real quando permite que o jogador se movimente livremente no combate tal como fazia no cenário antes do combate iniciar, porém a dinâmica continua sendo de turno e a movimentação não tem nenhum efeito relevante no combate (a movimentação é livre apenas por razões estéticas).

Figura 9. Imagem de uma movimentação em tempo real dentro de um combate em turnos em Dragon Quest XI. Créditos: Square Enix

2.1.2. RPGs com Batalha de Tempo Ativo

Uma das primeiras tentativas relevantes na indústria dos RPGs de romper com o estilo clássico em turnos e introduzir mais ação às batalhas foi criada por Hiroyuki Itō em 1991 para o Final Fantasy IV. Trata-se do sistema de Batalha de Tempo Ativo (Active Time Battle, ATB), o qual, na documentação de design do jogo, é descrito como “um novo formato de batalha que elimina turnos e usa o fluxo natural do tempo” (TUCKER, 2018, p. 190). Desse modo:

Definição 2.3. (ATB system) Um RPG utiliza o sistema de Batalha de Tempo Ativo (Active Time Battle, ATB) quando possui um tempo independente para cada personagem poder fazer uma ação durante o combate em turnos. Nesse sistema, o tempo de espera para se fazer uma ação varia de personagem para personagem (incluso inimigos). Pode ser relativo ao nível e/ou à classe (thief, knight, mage etc.) e/ou a atributos (como de agilidade) dos personagens (e inimigos); podendo ainda, em alguns jogos, ser alterada de modo dinâmico por efeito de habilidades específicas ou consumo de determinados itens.

O ATB surgiu no Final Fantasy IV e passou a ser utilizado em todos os títulos posteriores da franquia principal até o Final Fantasy IX (2000), além de ter sido empregado em outros jogos, como Chrono Trigger (1995), e influenciado outros sistemas de batalha dentro e fora da franquia Final Fantasy.

Figura 10. Imagem de um combate em turno com variações na taxa de ATB (barras em verde ao lado do MP) em Final Fantasy IX. Créditos: Square Enix

Assim como o sistema clássico de JRPGs, também há variações do sistema ATB. A mais notável variação, à época da quarta geração de consoles, é a que foi implementada no clássico Chrono Trigger; variação nomeada de “Active Time Battle 2.0”. Essa variação pode ser definida como se segue:

Definição 2.4. (ATB system (variation)): Active Time Battle 2.0.) Um RPG utiliza o sistema de Batalha de Tempo Ativo 2.0 (ATB 2.0) quando, além de empregar o ATB tradicional, também a dimensão espacial do combate é relevante para as ações dos personagens em um cenário que é o mesmo em que os personagens se encontram fora da batalha.

Figura 11. Imagem de um combate em turno com ATB 2.0 em Chrono Trigger. Créditos: Square Enix

2.1.3. RPGs com Batalha de Dimensão Ativa

Ao extinguir encontros randômicos e combinar a livre movimentação em combate sem deslocar o jogador do cenário-mapa para o cenário-de-batalha (como em Chrono Trigger), e ainda mantendo uma barra para ativação de ações dos personagens, chega-se, por sua vez, ao sistema de Batalha de Dimensão Ativa. Tal sistema está na fronteira dos jogos de action-RPG, tornando um jogo que o utilize algo como um quase-action-RPG. O sistema de Batalha de Dimensão Ativa pode ser definido como se segue:

Definição 2.5. (ADB system) Um RPG utiliza o sistema de Batalha de Dimensão Ativa (“Active Dimension Battle”, ADB) quando, além de empregar uma barra para ativar ações dos personagens, e levar em conta a dimensão espacial nas ações dos personagens, também permite livre movimentação de todos os personagens no cenário (dentro e fora do combate).

Abaixo, eis um exemplo ilustrado de implementação do sistema ADB:

Figura 12. Imagem de um combate em Final Fantasy XII em que alinha azul é empregada para indicar o alvo da próxima ação ofensiva do jogador (quando preencher a barra em verde-amarelo de Penelo e lançar a habilidade Flare) e uma linha vermelha para indicar o alvo da próxima ação ofensiva do inimigo. As ações dos demais personagens personagens da party que estejam fora do controle do jogador (no caso da imagem, as personagens Ashe e Penelo) podem ter sua inteligência artificial previamente programadas pelo jogador. Créditos: Square Enix

Vale salientar que elementos adicionais podem ser acoplados ao sistema ADB, como, por exemplo, em Final Fantasy XII (2006); jogo para o qual esse sistema foi implementado pela primeira vez. Nesse jogo, há, entre outras adições, uma releitura da barra de Limit Break — originária do Final Fantasy VII (1997) — para ações especiais dos personagens da party (BradyGAMES, 2006, p. 58).

2.2. Action-RPGs

Justamente quando a mecânica de turno em RPGs vivia sua Era de Ouro (final da década de 80 e início da década de 90), com as sequências de Ultima e Dragon Quest e vários outros RPGs, como Neverwinter Nights (1991), em 1993 a Square resolveu, em Secret of Mana (Seiken Densetsu 2), abandonar a mecânica de turnos tradicional e desenvolver um combate que combina movimentação em tempo real com um recurso novo.

Esse novo recurso veio se tornar profundamente influente em action-RPGs; trata-se da conhecida “barra de estâmina (stamina)” (chamada à época de “power bar mechanic”) que fez o jogo, apesar da ação, ainda ter um certo “ritmo de RPG”, dando tempo e espaço para o jogador pensar como utilizar seu nível de stamina para correr, atacar etc.

Desde então, Secret of Mana é considerado um dos mais influentes pioneiros do action-RPG. Isso embora seu antecessor, Seiken Densetsu: Final Fantasy Gaiden (1991), mesmo sem stamina, já carregasse muitos elementos tradicionais de RPG associados a uma jogabilidade action-adventure (VESTAL, 1998/2011).

Vale salientar que também são reconhecidos outros precursores mais antigos de action-RPG, como Zelda II: The Adventure of Link (1987/1988) e Dragon Slayer (1984). Nota-se, assim, que, principalmente quanto às origens desse subgênero híbrido, nem sempre é fácil estabelecer quando um RPG pode ser classificado como action-RPG. Essa é uma classificação utilizada apenas de modo aproximado nos casos em que se constata uma ênfase bem equilibrada de elementos de RPG e de ação/action.

Figura 13. Imagem de um combate em Secret of Mana onde se pode visualizar a Power Bar em amarelo abaixo dos pontos de vida do protagonista do jogo. Créditos: Square Enix

Contudo, diferentemente de Secret of Mana, que possui a Power Bar, muitos jogos de action-RPG modernos que o sucederam passaram a empregar um combate em tempo real mais fluido, sem stamina ou qualquer barra de limitação de ação, ao menos para as ações básicas dos personagens. Com ou sem barra de stamina, RPGs com movimentação e ação dinâmica são conhecidos por conterem um sistema de RTB (Real Time Battle), que varia muito de cada implementação.

Considerando o dinamismo do sistema RTB, as desenvolvedoras de action-RPG passaram a procurar outras maneiras de diferenciar o combate de “pura ação” do combate de “RPG de ação”, passando a trazer novos mecanismos que possibilitassem a permanência de características próprias dos combates em RPGs. Características como o planejamento de equipamentos e habilidades, e como o gerenciamento de ações dos membros de uma party durante as batalhas. Coisas essas muito difíceis (ou até impossíveis) de se fazer com complexidade em um jogo muito dinâmico em tempo real.

Assim, veremos abaixo vários mecanismos que possibilitam trazer elementos de RPG ao combate em tempo real de modo decrescente até, por fim, apresentarmos os jogos de action-RPG com combate em hack ’n’ slash, em que as batalhas tornam-se principalmente de ação e os elementos de RPG na jogatina passam a se concentrar em outros aspectos do jogo, como na evolução gradual e permanente de personagens, no aprimoramento de equipamentos, nas árvores de diálogo etc.

2.2.1. Action-RPGs ruptíveis

Uma das formais mais equilibradas de hibridar ação e RPG em um combate se popularizou em meados dos anos 2000 por jogos como Star Wars: Knights of the Old Republic, desenvolvido pela BioWare em 2003. Nesse action-RPG, por exemplo, é possível parar o tempo sempre que desejável para gerenciar as ações da party bem como equipamentos e habilidades de cada personagem.

Esse mecanismo, presente em jogos como Star Wars: Knights of the Old Republic passou a dividir os jogos de action-RPG em duas categorias, aqueles “paráveis” (RPGs ruptíveis) e aqueles que são ininterruptos (ou seja, aqueles em que não é possível pausar uma batalha e fazer qualquer ação relevante no combate).

Nos anos que se seguiram, tal mecanismo de “parada” foi implementado (com modificações) em vários outros jogos da BioWare, como em Dragon Age: Origins (2009) e na trilogia Mass Effect (2007–2012). Foram ainda desenvolvidos outros mecanismos semelhantes em jogos de action-RPG de outras empresas, como mais recentemente em Final Fantasy VII Remake (2020) da Square Enix. Para todos esses mecanismos ruptíveis, chamamos Tactical RTB system conforme a seguinte definição:

Definição 2.6. (Tactical RTB system) Um action-RPG utiliza o sistema de Batalha em Tempo Real tático (Tactical Real Time Battle, Stoppable-RTB) quando funciona totalmente em tempo real, mas permite que o jogador pare o tempo ou o deixe em câmara lenta (slow motion) em “Modo Tático” (Tactical Mode) sempre que desejar a fim de gerenciar as ações individuais de cada personagem da party.

Figura 14. Imagem de um combate parado de Mass Effect 2 na ocasião em que se abre o menu Power Wheel para gerenciar as ações da party. Créditos: Bioware

É importante ainda lembrar que, como nos outros sistemas que vimos, também RPGs ruptíveis podem ter diversas outras adições no combate, como a adição de releituras do ATB e do Limit Break em Final Fantasy VII Remake. Confira na imagem abaixo:

Figura 15. Imagem de um combate alternado para câmara lenta no Modo Tático (Tactical Mode) de Final Fantasy VII Remake. Nesse modo, o jogador gerencia as ações de Cloud e Barret na party. Na imagem nota-se ainda as pequenas barras de ATB (em azul) logo abaixo das barras de HP dos personagens da party e, abaixo dos índices de MP, as barras de Limit Break. Créditos: Square Enix

2.2.2. Action-RPGs ininterruptos

Por sua vez, temos ainda os jogos de action-RPG cujo gerenciamento das ações dá-se ininterruptamente em tempo real. Para os jogos desse tipo, destacam-se os três sistemas definidos e exemplificados abaixo:

Definição 2.8. (RTB system in JRPG classic-style) Um Action-RPG utiliza um sistema de Batalha em Tempo Real em JRPG de estilo clássico quando funciona totalmente em tempo real de forma ininterrupta e ainda assim simula elementos clássicos de JRPG que deixam o ritmo de batalha menos dinâmico. Diferencia-se, assim, um “Modo de Batalha” dentro da jogatina (mudando, nesse momento, a postura dos personagens, trilha sonora etc.) e empregam-se movimentações mais rígidas de ataque padrão e habilidades que, de forma cronometrada, tendem a demorar mais tempo para carregar e poderem ser executadas estrategicamente.

Há muitas variações desse sistema, e ele em si mesmo já é difícil de se definir com precisão (muito mais que os outros sistemas apresentados até aqui). Contudo, evidentemente as variações possuem certas características em comum, algumas das principais sintetizadas na definição acima. Exemplos notáveis de jogos de action-RPG nesse estilo são: Final Fantasy XIV (2010-), no lado dos jogos de multiplayer online; e, no lado dos jogos focados em single-player, Xenoblade Chronicles (2010/2020). Veja um exemplo ilustrado abaixo:

Figura 16. Imagem de um combate onde o jogador é avisado que está em “Modo de Batalha” (o que é sinalizado pelos tons avermelhados nos cantos inferiores) em Xenoblade Chronicles, um dos poucos action-RPGs ininterruptos que possibilita o controle de uma party durante a batalha, embora só por permutação de controle de personagem ou, de modo indireto, por programação de suas ações em combate. Créditos: Nintendo

Outro sistema muito comum em action-RPG ininterrupto é o sistema de batalha em tempo real com stamina. Sistema esse que, como vimos, remonta pelo menos a Secret of Mana. Atualmente costuma ser empregado para trazer experiências mais lentas, estratégicas e desafiadoras para jogadores de RPG, como em RPGs de estilo Souls-like. Abaixo a definição e um exemplo ilustrado do sistema a que nos referimos:

Definição 2.9. (RTB system with stamina) Um action-RPG utiliza um sistema de Batalha Dinâmica em Tempo Real com stamina quando funciona totalmente em tempo real de forma ininterrupta com todas as ações sendo executadas de forma dinâmica e emprega uma barra específica de energia (stamina, power bar etc.) que limita certas ações contínuas do personagem jogável (como corrida, ataque, nado etc.).

Figura 17. Imagem de um combate em Dark Souls III onde vê-se que o jogador executou uma ação que consumiu cerca de um quarto da stamina (barra verde no canto superior esquerdo). Créditos: From Software

Por fim, temos o popular sistema de hack ’n’ slash em action-RPG. Especialmente popular em jogos com foco em multiplayer (seja ele cooperativo ou competitivo) e especialmente comum em MMORPGs (Massively Multiplayer Online Role-Playing Game), embora também haja MMORPGs populares com outros sistemas. Um action-RPG em hack ’n’ slash pode ser definido como se segue:

Definição 2.10. (HnS RPG RTB system) Um action-RPG utiliza um sistema de Corta e Massacra em Batalha em RPG de Batalha em Tempo Real (Hack-and-Slash in Real Time Battle Role-playing Game, HnS RPG RTB) quando funciona totalmente em tempo real de forma ininterrupta com as ações ofensivas sendo executadas prioritariamente à curta distância e de forma altamente dinâmica (i.e., sem stamina) ou qualquer outro recurso que limite significativamente a velocidade e/ou a repetição das ações do personagem.

Esse sistema se popularizou em jogos de action-RPG pela franquia Diablo, e os jogos dessa franquia continuam sendo grandes referências no estilo.

Figura 18. Imagem de um combate cooperativo em Diablo III: Ultimate Evil Edition. Créditos: Blizzard

3. Considerações Finais

Em síntese, mostramos neste texto uma forma possível de dispor uma gradação desde RPGs tradicionais até jogos de Action-RPG (subgênero de RPG caracterizado por também carregar fortes elementos de ação).

O critério base da gradação consistiu em determinar em que escala de dinamismo em tempo real se encontra a jogabilidade de cada sistema de batalha. Contudo, nem sempre é fácil distinguir qual sistema é mais dinâmico em relação a outro, de modo que a gradação aqui oferecida é apenas aproximada.

Além disso, evidentemente outros critérios de gradação resultariam em uma listagem diferente. Por exemplo: se estivesse em nosso foco a dificuldade (e não o dinamismo) dos desafios físicos implementados em action-RPG, certamente sistemas de jogos como da franquia Dark Souls estariam à frente (em elementos de ação) em relação a jogos como da franquia Diablo. Isso porque, ainda que com uma jogabilidade mais lenta em tempo real (decorrente, entre outras coisas, da stamina), os jogos da série Souls exigem muito mais da habilidade de coordenação motora e de tempo de reação para avançar na narrativa.

De todo modo, à essa altura o leitor pode se perguntar sobre as consequências, afinal, de se adicionar elementos de ação em um RPG: no que isso altera a experiência de um RPG?

Bem… as consequências são várias e renderia assunto para um outro texto. Por ora, então, vamos nos limitar a destacar apenas uma delas: o fato de que um jogo em tempo real impossibilita o controle simultâneo total de uma party, de modo a limitar o jogador ou a controlar apenas um personagem ou a controlar outros poucos membros da party apenas indiretamente (programando sua inteligência artificial).

Já em RPGs de turno com ATB é inviável ter uma party muito grande; sendo comum ter apenas três nesses RPGs. E há uma tendência de simplificação do número de membros da party bem como dos recursos de batalha (itens, habilidades etc.) à medida em que aparecem mais elementos de ação nos combates.

Em Final Fantasy XII, que utiliza o sistema ADB, e Xenoblade Chronicles, que é um action-RPG com um ritmo mais lento e rígido, ainda é possível controlar parcialmente e com alguma complexidade uma party pequena (de três membros) programando as ações prévias de cada personagem, porém é fácil ver como tais mecanismos já são inviáveis em um action-RPG com mais desafios de coordenação olho-mão e tempo de reação, como nos jogos da franquia Dark Souls.

De modo geral, pode-se afirmar, assim, que RPGs com menos elementos de ação tendem a exigir mais habilidade de planejamento da party e gerenciamento de recursos (como itens e habilidades) durante as batalhas. Por outro lado, RPGs com mais ação tendem a exigir mais habilidades físicas, como de coordenação motora e tempo de reação. No caso de propostas mais moderadas (com elementos mais ou menos proporcionais de RPG tradicional e de ação), ambas as habilidades são requeridas do jogador de forma relativamente equilibrada.

Vale observar ainda que não foi de nosso intento valorizar mais um sistema em detrimento de outro. Mas nada impede que cada um tenha seus sistemas favoritos. Eu, por exemplo, prefiro o sistema de ATB para RPG de turno e o sistema com opção tática para action-RPG, mas também gosto particularmente do característico estilo híbrido de Final Fantasy XII. E você, tem preferências? Se quiser, sinta-se à vontade para dizer nos comentários.

Aliás, já conhecia todos esses sistemas? Ficou interessado em experimentar algum em particular? Pelos exemplos mencionados acima, o leitor encontrará algumas boas indicações de RPGs que empregam esses sistemas. Desse modo, além do conhecimento sobre a gradação de sistemas, esperamos que nossas indicações possam ter ajudado a quem quisesse conhecer mais sobre RPGs ou mesmo buscasse experimentá-los em um sistema que, a seu gosto, pareça mais convidativo ou interessante. Caso ainda deseje mais indicações de algum dos sistemas mencionados ou queira destacar algum não citado neste texto, também não deixe de comentar.

Muito obrigado por investir seu tempo nesta leitura!

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Com especial agradecimento a Felipe Canever Fernandes (motivação, revisão e sugestões).

4. Referências sem hyperlink

  • BradyGAMES (ed.) (2006). Final Fantasy XII Official Strategy Guide. DKPublishing.
  • ROLE Players (Temporada 1, ep. 3). High Score [Documentário seriado]. Título oficial em Português: GDLK. Direção: William Acks, Sam LaCroix, France Costrel e Melissa Wood. New York/London: Great Big Story, 2020. Vídeo (45 min.), son., color. Disponível no catálogo online Netflix. (Acessado em: 27 out. 2020)
  • HUBER, William. “Some Notes on Aesthetics in Japanese Videogames”. In: CLARKE, Andy; MITCHELL, Grethe (eds.). Videogames and Art. Chicago: Intellect Books/The University of Chicago Press, 2007, pp. 211–218.
  • TUCKER, Ian (ed.) (2018). Final Fantasy: Ultimania Archive. Volume I. Dark House Books.

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Vítor M. Costa

Brazilian historian and philosopher. Nintendo Blast (PT), SUPERJUMP (EN) writer. Here, I write gaming essays about what video games are and what they can do.