Mother 3. Créditos: Nintendo

Morte e Interatividade Ficcional

Um ensaio sobre o papel da morte do jogador nas ficções dos videogames

Vítor M. Costa
15 min readFeb 21, 2021

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Todo mundo está esperando para morrer, se você parar para pensar… Alguns apenas têm que esperar mais do que outros. (Akinari Kamiki — Shin Megami Tensei: Persona 3, Atlus)

Por qual razão o jogador pode morrer em jogos de videogame? Tradicionalmente, qual o papel que essa mecânica cumpre nos jogos? Por outro lado, se, nas últimas décadas, o papel dessa mecânica tem sido desconstruído e reinterpretado dentro das ficções interativas dos jogos, quais são as funcionalidades novas que agora são associadas à morte do jogador? Essas são as perguntas que procurarei responder neste ensaio.

Neste texto, confira uma análise comparativa do papel da morte do jogador em títulos que popularizaram suas funções tradicionais, como Space Invaders (1978), Super Mario Bros. (1985) e Resident Evil (1996). E também levarei em conta aqueles que acrescentaram novas funções para essa mecânica, como The Sims (2000), Super Meat Boy (2010), Dark Souls (2011) e Hades (2020).

Com tal estudo, pretendo demonstrar como se estabeleceram as funções padrões/tradicionais da morte do jogador na indústria dos jogos. E, por outro lado, mostrar — especialmente nas novas tendências da indústria — o potencial para interessantes experiências ficcionais a respeito da morte que são irreplicáveis em outras mídias, como cinema ou literatura.

Assim, entendo, como mostrou Ian Bogost (2008), que frequentemente videogames falam sobre o mundo (real ou ficcional) não somente com escritos ou imagens, mas principalmente por processos mediados por regras estabelecidas e representadas in-game, caracterizando, assim, o que o autor chama de uma “retórica procedimental/procedural” (procedural rhetoric).

Em outras palavras, e de modo mais específico, reflito, neste texto, de um modo breve e introdutório, sobre como a mecânica da morte do jogador — a ser definida no primeiro tópico — pode ser usada como uma ferramenta retórica para falar sobre temas como o ciclo vida-morte e a inevitabilidade da morte.

Quer evoluir seu conhecimento sobre a história por trás da odiada tela de game over e aperfeiçoar seu entendimento sobre diferentes funções da morte do jogador em jogos eletrônicos? Então, Prepare to die! Nossa jornada começará com os dificílimos jogos da era dos arcades e chegará até Hades (2020), o mais amado e aclamado indie do ano da pandemia. Passando, claro, por alguns outros significativos e marcantes jogos que reinterpretaram o papel da morte do jogador nas ficções dos videogames.

Preparado?

- "It’s dangerous to go alone! Take this:"
Figura 1. Diagrama conceitual elencando algumas das principais funções (tradicionais ou não) da morte do jogador quando é ou não reconhecida em um jogo
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Introdução

Em quase todas as mídias (filmes, livros, jogos etc.), é bastante comum que o leitor/espectador/jogador acompanhe a trajetória de um ou mais protagonistas em uma história (ficcional ou não). Mas há uma razão para o fato de que um protagonista morre muito mais facilmente em jogos eletrônicos do que em filmes ou livros.

Diferente dessas outras mídias, o progresso de um protagonista nos jogos sempre depende, em alguma medida, não só das habilidades ficcionais atribuídas ao personagem, mas também das habilidades do jogador ao controlá-lo, direta ou indiretamente. Disso se infere que o protagonista em um jogo pode morrer ou porque o enredo ficcional o exige ou porque o jogador quis ou falhou em cumprir seu objetivo na história.

Figura 2. Kratos e Zeus em God of War II. Créditos: Sony Interactive Entertainment

No primeiro caso, quando um protagonista morre por força do enredo, não há como o jogador evitá-lo, independentemente de suas habilidades. Nesse caso, a situação do jogador não será muito diferente da de um leitor/expectador que esteja lendo/assistindo a morte de um dos protagonistas de Game of Thrones, por exemplo.

De fato, para mencionarmos um caso célebre dos videogames, não é muito diferente da situação em que um jogador se encontra no início de God of War II (2007) — figura 2 — , quando Kratos, apesar de poder atacar e resistir a certos ataques de Zeus (seu oponente), invariavelmente irá perder para o poderoso deus olimpiano e será enviado ao submundo (Hades), tal como prescrito pelo roteirista.

Figura 3. Imagem de Tom Clancy’s Splinter Cell em que o jogador falhou em uma missão por deixar o protagonista morrer. Créditos: Ubisoft

Por outro lado, a maior parte das mortes em jogos é ocasionada por causa do jogador, e não do roteiro. Mortes costumam acontecer por falhas em prosseguir com a história tal como prevista. Em Tom Clancy’s Splinter Cell (2002), por exemplo, o roteiro prescreve que o protagonista conclua todas as suas missões.

Caso o jogador morra em alguma das missões, isso será considerado uma das formas de falha na missão (mission failed). E a história nunca segue nem com a morte do protagonista nem com qualquer outra forma de falha nas missões.

Feita essa diferenciação, focarei, daqui em diante, exclusivamente nesse segundo tipo de ocasiões de morte do jogador em jogos: quando um ou mais protagonistas morre diretamente em função das ações do jogador. Em outras palavras, uma morte que poderia ser evitada. Eis o que é característico das mortes em jogos eletrônicos quando comparadas às das ficções em filmes ou livros, por exemplo.

Lembrando ainda que há vários jogos em que sequer é possível morrer; por exemplo, em Gris (2018), e principalmente muitos jogos de adventure. Também não me ocuparei de jogos desse tipo neste ensaio.

E vale ainda ressaltar que a experiência de falha do jogador pode ser previamente planejada em um jogo; isso de modo a lhe fornecer uma experiência da morte em primeira-pessoa ou em terceira-pessoa (o que nada tem a ver com câmera em primeira-pessoa ou terceira-pessoa!).

Nesse sentido, podemos comparar, por exemplo, a experiência de morte de Solid Snake em Metal Gear Solid (1998) com a experiência de morte de Prince em Prince of Persia: The Sands of Time (2003).

Apesar de você poder jogar os títulos da série Metal Gear Solid quase inteiramente com câmera em terceira-pessoa, quando você, controlando Snake, acaba morrendo, irá ouvir algum dos integrantes da operação começar a gritar seu nome no rádio, assim fazendo com que você se sinta o próprio Snake naquele momento derradeiro. Eis uma experiência de morte em primeira-pessoa.

Figura 4. Imagem de Metal Gear Solid de quando o protagonista morre e é chamado desesperadamente pelo rádio. Créditos: Konami

Esse tipo de experiência da morte é especialmente interessante para jogos de Survival Horror, como nas séries Resident Evil e Dead Space, onde o protagonista, na ocasião de sua morte, poderá aparecer morrendo de formas violentas e aterrorizantes.

Figura 5. Momento em Prince of Persia: The Sands of Time de quando o jogador comete um erro, matando o protagonista no processo, mas retrocede no tempo para corrigir sua ação. Créditos: Ubisoft

Por outro lado, em Prince of Persia: The Sands of Time, a narrativa passa-se de tal forma que o protagonista, Prince, é o narrador de sua própria história no passado. Desse modo, quando você morre, o que é inconsistente com o fato de que o narrador está vivo, contando o que aconteceu, ele, o narrador (ou seja, o protagonista no futuro) irá comentar algo como “pensando bem, não foi bem isso o que aconteceu”. Então Prince retrocederá a contar a história desde o seu último ponto de save.

Esse tipo de conceito é uma das formas de proporcionar uma experiência de morte na terceira-pessoa; ou seja, fazendo com que o jogador não se sinta ele mesmo “morto”, de fato, na história do jogo. Curiosamente, essa estratégia harmoniza-se muito bem com a mecânica de Prince of Persia: The Sands of Time de voltar no tempo — de modo limitado — ao cometer algum erro ou simplesmente julgar útil por alguma razão.

Isso parece-me o suficiente para introduzir o tema deste ensaio. No tópico seguinte, procurarei explicar as funções tradicionais da morte do jogador nos videogames. Assim, a partir daqui, entendo por “morte do jogador” a morte do(s) protagonista(s) ocasionada exclusivamente pelo jogador, e não por exigência da narrativa.

Funções tradicionais da morte do jogador

A mecânica de morte do jogador é quase tão antiga quanto os jogos eletrônicos. Sua função primária converge com uma das características mais básicas dos videogames: propiciar desafio. E há poucas coisas que podem tornar um jogo mais desafiador do que exigir que o jogador recomece-o após um game over; observando que muitos consoles de primeira e segunda gerações nem mesmo tinham memória dedicada ao save.

Figura 6. Representação de uma cena de Game Over em máquinas de fliperama

Contudo, para além do desafio e das limitações de hardware, a morte do jogador ganhou uma função extra nos arcades. Isso devido à possibilidade de recomeçar o jogo vinha muito a calhar com a necessidade de ganhar mais moedas nas máquinas dos fliperamas.

Ora, morrer, ao menos de forma definitiva (o famoso game over), significava uma interrupção na jogatina, precisando, para se continuar a jogar, que o jogador inserisse outra moeda na máquina. Desse modo, uma das primeiras funções da morte do jogador foi a de simplesmente facilitar o controle e a repetitividade de jogatinas para maior ganho financeiro.

Figura 7. Space Invanders. Créditos: Taito Corporation

Claro, a função relacionada às moedas ganhas nas máquinas era (e ainda é) amplificada por jogos cativantes e, ao mesmo tempo, desafiadores. Um desses foi Space Invanders (1978), projetado por Tomohiro Nishikado, que se inspirou em ficções científicas populares à época, como no romance A Guerra dos Mundos (1898), de H.G. Wells, para o design dos inimigos alienígenas.

Neste título — por vezes considerado o jogo eletrônico mais influente de todos os tempos — , o jogador contava não só com uma vida, mas com um determinado número de vidas. Quando todas elas acabavam, aparecia a famosa tela de game over.

Com o passar dos anos, o conceito de “vida” tornou-se mais “gamificado”, ou seja, com mais aplicações em mecânicas próprias de jogos. Para além de haver várias vidas, jogos começaram a implementar, por exemplo, a possibilidade de adquirir vidas. Esse é o caso da série Super Mario, da Nintendo, para quando o jogador consegue um certo número de moedas ou pega um cogumelo verde (mesmo que isso lhe custe a própria vida atual).

Figura 8. Super Mario World. Créditos: Nintendo

Outro exemplo é a possibilidade de salvar e, quando morrer, continuar seu jogo desde um determinado ponto de save. Esse recurso foi inicialmente desenvolvido para adventures de texto, RPGs e action-adventures mais longos e desafiadores.

Figura 9. Momento de save em Resident Evil 2. Créditos: Capcom

Pouco a pouco, a noção de “salvar” passou a ser pensada como uma mecânica bem particular de cada jogo. Nos clássicos da série Resident Evil, por exemplo, o jogador só podia salvar em certas salas (as save rooms), e de modo limitado, pois isso lhe custava tinta — um item no inventário (o ink ribbon) — , que nem sempre era fácil de se conseguir.

Enquanto isso, com o mercado de jogos se afastando dos arcades e se estabelecendo muito mais nos consoles (domésticos e portáteis) e, depois, também nos PCs, muitos jogos deixaram para trás o conceito de game over, ou então amenizaram essa noção.

Em Super Mario 64 (1996), da Nintendo, por exemplo, mesmo após o jogador perder todas as suas vidas, nem o jogo nem o mundo eram reiniciados, como o eram nos primeiros jogos da série Super Mario. Agora o jogador apenas perdia todo seu progresso na fase em que estava e era levado ao Castelo da Peach (mapa principal do jogo), com um número fixo inicial de vidas e preservando todas as estrelas que ele já tinha obtido até ali em outras fases, não precisando completá-las novamente.

Em todos esses casos, porém, de Space Invanders até os títulos mais recentes das séries Resident Evil, Super Mario, Metal Gear Solid, God of War, Prince of Persia etc. há dois elementos comuns na morte do jogador:

  1. o fato de indicar erro/falha na habilidade ou escolha do jogador;
  2. e o fato de ser um tipo de punição para o jogador.

Essas são as duas funções tradicionais da morte do jogador.

Figura 10. Mega Man 2 em um combate contra Metal Man. Créditos: Capcom

As duas funções, juntas, frequentemente ensinam o jogador a ter resiliência, cuidado, atenção e se tornar mais observador em relação a seus inimigos ou a seus próprios movimentos.

Um exemplo a esse respeito são os chefes da série Mega Man (Rockman). Ojogador dificilmente conseguirá derrotá-los sem antes se acostumar com seus padrões de ação e com o cenário em que se encontram.

Vale observar que algumas vezes a morte do jogador também pode ser uma punição não pelo mau uso de suas habilidades, mas por uma má escolha ética do jogador.

Para citar um clássico já comentado no ensaio “Liberdade, Interação Ficcional e Mecânicas Morais em Jogos Eletrônicos”, no final de Karateka (1984), de Jordan Mechner, se o jogador ficar em posição de combate diante da dama (nem um pouco indefesa) que veio resgatar, ela aplicará um golpe que irá matar o protagonista instantaneamente.

Em todos os jogos mencionados acima (e a maioria na indústria), a morte do jogador é um erro, um erro que deve ser evitado. E assim o é também pelo próprio roteiro do jogo.

Para um exemplo engraçado, vale citar um caso muito provavelmente análogo a algum que você, leitor, já tenha presenciado. Em Quake 4 (2005), da id Software, continuando a história do clássico Quake II (1997), da mesma empresa, o jogo menciona os feitos do protagonista por meio de vários personagens incrédulos.

Figura 11. Imagem de um momento no início de Quake 4 onde dois personagens comentam, um tanto incrédulos diante do protagonista (em primeira-pessoa), o fato de ele ter sobrevivido aos eventos de Quake II. Créditos: id Software.

Os personagens elogiam os méritos do protagonista por ter sobrevivido aos eventos do Quake II, vencendo poderosos e numerosos inimigos de forma quase humanamente impossível. Esses personagens, obviamente, nem imaginam que o protagonista morreu, muito provavelmente, dezenas ou centenas de vezes.

Claro que esse contraste não diminui os méritos do protagonista ou do jogador, mas gera uma inconsistência entre a experiência narrativa do protagonista e a experiência meta-narrativa do jogador. Ou seja, uma inconsistência com o que acontece fora da narrativa; na interação com a narrativa por meio dos controles que possibilitaram o jogador morrer muitas e muitas vezes sem que isso fosse reconhecido na história do jogo.

Figura 12. Fire Emblem Three Houses. Créditos: Nintendo

Por outro lado, há jogos que reconhecem a morte do jogador na história e, mesmo assim, preservam as duas funções tradicionais mencionadas. Na série Fire Emblem, por exemplo, as unidades, com exceção do protagonista, podem morrer permanentemente e alterar diálogos e o gameplay.

Todavia, como notou Mark Browm, geralmente jogos que reconhecem narrativamente a morte do jogador estabelecem também outras funções interessantes para a morte, funções não-tradicionais.

Explicarei a seguir três dessas funções que chamo de “não-tradicionais” e comentaria seu impacto na experiência do jogador.

Funções não-tradicionais da morte do jogador

Do final da década de 1990 para cá, vários conceitos tradicionais da indústria dos jogos foram descartados, como as já mencionadas mecânicas de game over e de limitação para salvar em pontos específicos do mapa.

Claro que isso não significa que essas mecânicas não existam mais, mas significa que aumentou, e muito, o número de jogos sem game over ou em que o jogador pode salvar em qualquer (ou quase qualquer) momento de sua jogatina. Outras vezes esses conceitos foram readaptados, com funções diversas daquelas tradicionalmente associadas. Os já mencionados casos de Super Mario 64 e Resident Evil 2 são exemplos disso.

E assim como essas e muitas outras mecânicas clássicas das décadas de 1970, 1980 e 1990, também a mecânica de morte do jogador foi reformulada em muitos jogos, propiciando novas experiências através de novas funções, não-tradicionais. Neste tópico, discutirei três funções não-tradicionais para a morte do jogador:

  • propiciar uma experiência de não-individualidade;
  • propiciar uma experiência do ciclo vida-morte;
  • e propiciar uma experiência da inevitabilidade da morte.

Nessa ordem, e cada qual com algum exemplo, veja abaixo, em linhas gerais, como se dão essas experiências.

Figura 13. Cena de replay Super Meat Boy mostrando, ao mesmo tempo, todas as tentativas do jogador até ter conseguido terminar a fase. Créditos: Team Meat

Um dos mais influentes e desafiadores jogos independentes, Super Meat Boy (2010), é um exemplo que aproveita a frequente morte do jogador para a experiência da não-individualidade. Ou melhor, a não-individualidade de Meat Boy, personagem controlado pelo jogador.

Figura 14. Wallpaper de Super Meat Boy. Créditos: Team Meat

Meat Boy é um personagem, mas, ao mesmo tempo, é muitos. A cada vez que se joga com ele, ele é somente um indivíduo sendo controlado pelo jogador, mas, depois que morre, isso é reconhecido na narrativa do jogo, e um outro — idêntico em tudo ao anterior — toma o seu lugar como protagonista do jogo.

E esse novo Meat Boy é o mesmo ou é outro? Para a narrativa do jogo, isso não faz diferença, e, ao jogador vencer uma fase, todos (ou as várias versões do mesmo) estarão igualmente contentes; ainda que, aparentemente, só um possa ficar com a Bandage Girl no final.

Um segundo caso interessante de função não-tradicional para a morte do jogador é de propiciar uma experiência do ciclo vida-morte. Nessa direção, Dragon Quest V: Hand of the Heavenly Bride (1992), da Enix, foi o precursor de narrativas biográficas em jogos, com seu protagonista progredindo desde a infância até a fase adulta, envolvendo, entre outras coisas, matrimônio e gestação.

Figura 15. Dragon Quest V. Créditos: Square Enix

Mas foi The Sims (2000), da Maxis, que, além de muitas outras coisas, trouxe, para o percurso biográfico dos personagens dos jogos, a possibilidade de morrer e continuar com os demais personagens criados pelo jogador ou seus descendentes, propiciando a ele uma experiência completa e contínua do ciclo vida-morte naquele mundo ficcional.

Essa funcionalidade foi enriquecida com elementos de outros gêneros. Por exemplo, ao possibilitar que personagens herdem atributos ou habilidades de seus pais — mortos ou não— em alguns jogos da série Fire Emblem ou mesmo ancestrais mortos há muitas gerações atrás em Rogue Legacy (2013).

Por fim, convém destacar o caso de jogos que, reconhecendo também, em suas narrativas, as sucessivas mortes do jogador, utiliza-as para propiciar a experiência de inevitabilidade da morte naquele mundo ficcional. Funcionalidade essa muito comum em Dark Souls (2011), da From Software, e outros jogos influenciados por ele.

Em Dark Souls II (2014), por exemplo, o protagonista é, desde o princípio, apresentado como alguém que esqueceu se havia tido ao certo ou não uma vida comum com uma família. Simplesmente encontra-se perdido e amaldiçoado a perseguir a luz no meio de um mundo devastado.

O protagonista não só está destinado a perder sua alma ciclicamente naquele mundo, mas também destinado a alimentar o ciclo da maldição em todo o mundo do jogo. Assim, a morte do jogador é sempre reconhecida na narrativa, cumprindo um papel na história e fazendo diferença, inclusive, também em diálogos e situações no decorrer do jogo.

Figura 16. Dark Souls 2. Créditos: From Software

Hades (2020) é um outro ótimo exemplo de contexto ficcional em que a função da inevitabilidade da morte do jogador (e do protagonista). Nesse título, o jogador, controlando o filho de Hades, Zagreus, quer deixar o submundo para se reencontrar como sua mãe, na superfície.

Acontece do jogador morrer numerosas vezes para chegar à superfície, e, em todas elas, retornar ao mesmo local do submundo, a Casa de Hades, pois para onde mais seria enviado alguém que morreu? Dessa forma, a narrativa também reconhece constantemente a morte do jogador, alterando, com grande variedade, diálogos e situações da narrativa cíclica do jogo que enfatiza a inevitabilidade da morte e da obrigação de Zagreus de permanecer no submundo, assim como seu pai.

Figura 17. Hades. Créditos: Supergiant Games

Conclusão

Este texto, considerando algumas das possibilidades de interação ficcional em videogames, tratou não do tema da “morte” na indústria dos jogos, mas tão somente de “morte do jogador” definida como ocasião em que o conjunto de personagens controlado pelo jogador morre exclusivamente por sua culpa. Nesse caso, a morte do jogador, como mostrei, pode ser reconhecida ou não na narrativa.

Tradicionalmente, a morte do jogador não é reconhecida no roteiro, mas identificada como um erro de sua performance para seguir o que está previsto na história. Desse modo, a morte do jogador tem a dupla função de indicar erro/falha do jogador e de puni-lo pelo erro, isso ao menos quando o jogo é justo, claro.

Por outro lado, há jogos que reconhecem a morte do jogador em seu mundo ficcional, incorporando-a de forma mais íntima na narrativa do jogo e dando outras funções (não-tradicionais) para ela.

Nesse sentido, limitei-me a apresentar três casos — cada qual com exemplos — de funções não-tradicionais da morte do jogador. Basicamente, expliquei sobre a forma como a morte do jogador pode propiciar a experiência da não-individualidade em Super Meat Boy, do ciclo vida-morte em jogos como The Sims e Rogue Legacy, e da inevitabilidade da morte em Hades e na série Dark Souls.

Por tudo isso, este ensaio é um convite para jogadores refletirem mais sobre a experiência da morte e para desenvolvedores refletirem sobre novas formas de integrá-la à narrativa de seus jogos.

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Referências sem hyperlink

  • BOGOST, Ian. “The Rhetoric of Video Games.” In: SALEN, Katie (ed.). The Ecology of Games: Connecting Youth, Games, and Learning. Cambridge/MA: MIT Press, 2008, pp. 117–140.

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Vítor M. Costa

Brazilian historian and philosopher. Nintendo Blast (PT), SUPERJUMP (EN) writer. Here, I write gaming essays about what video games are and what they can do.